João
trabalhador acorda bem cedo, praticamente com o cantar do galo do vizinho e com
os primeiros barulhos da manhã. São exatamente quatro da madrugada, o sol mal
saiu e o sono ainda nem fez menção de ir embora. Ele senta na beirada da cama e
da aquela espreguiçada. Dentro do banheiro ele olha sua cara refletida no
espelho e percebe o quanto envelheceu. O trabalho de pedreiro lhe rende uma
grana razoável, mas também lhe brinda com dedos cortados, dores por todo o
corpo e principalmente cansaço.
João
tem cinquenta anos, trabalha desde os dez, desde que seu pai foi embora de
casa, abandonando ele, os cinco irmãos e a mãe uma costureira. O remendo de
roupas nunca garantiu o sustento dela e dos seis filhos pequenos, e sem saída
João começou a trabalhar; por um tempo até pensou em pedir, mas achava aquilo
muito humilhante. Nesses quarenta anos de labuta diária, ele fez de tudo um
pouco, além de pedreiro seu oficio atual, João foi padeiro, carpinteiro e
motorista de ônibus. Tornou-se pedreiro após ser demitido. Precisava fazer
alguma coisa, passar fome nem passava pela sua cabeça.
João
trabalhador tem as duas filhas na faculdade, a mais nova de 21 anos, cursa
enfermagem, a mais velha de 23 está próxima de se formar em arquitetura. O pai
sente orgulho das filhas e as filhas sentem mais ainda orgulho do pai.
Ele
cuidou das duas praticamente sozinho. João não foi abandonado pela esposa, foi
Deus quem a levou embora depois de meses na fila de espera de um hospital
público. Sem saída ele quase se deu por vencido, mas as meninas precisavam
dele, de sua força, do seu trabalho, da sua dedicação.
A
condução chegou lotada como acontecia todos os dias. Com muito esforço ele
conseguiu entrar, foi espremido, esmagado, teve o pé pisado e pisou também.
Quarenta minutos de viagem até a estação de trem e mais cinco ou seis estações
pra frente até chegar na obra.
Um
prédio de luxo, era isso que João trabalhador ajudava a construir com tantos
outros iguais a ele. Dias atrás ele ouviu dizer que aquela coisa custava os
olhos da cara. Pobre João, ainda morava de aluguel, era um sacrifício custear a
faculdade das filhas, o que salvava era que as duas também trabalhavam e
ajudavam um pouco. Fora graças a mais velha que a luz não havia sido cortada.
João
vestiu-se. Colocou os equipamentos de segurança e partiu rumo às paredes a
serem rebocadas. Enquanto jogava massa ele sonhava com um futuro melhor.
Recentemente ele votou em outro João, que se dizia trabalhador assim como ele,
mas ele duvida que esse outro João acordasse cedo igual a ele, pegava ônibus e
trem lotado, rebocava paredes, levava bronca do chefe e morava de aluguel.
Para
ele esse João era mais do mesmo, mas sem estudo o que restou pra ele foi isso.
Não votaria em outro candidato.
Ele
voltaria para casa, o ônibus lotado e os braços mortos pelo trabalho.
Diferentemente do João trabalhador da televisão, o nosso João não tem aonde
cair morto, mas ainda ele tem uma pontinha de esperança, quem sabe um dia isso
melhore, pensou ele antes de deitar e dormir.
Comentários