Altas horas da
madrugada. Jogo a mochila nas costas, faço o sinal da cruz, peço a Nossa
Senhora a proteção, ajoelho-me diante dela e agradeço. Preciso pagar algo. Na
mochila carrego algumas peças de roupa: uma blusa para caso faça frio, uma
calça, um par de chinelos novos, meias e algumas cuecas. Claro sem esquecer-me
de toalha e sabonete, estou indo viajar.
Não vou de carro,
avião, e muito menos de ônibus. Serei guiado pelas minhas pernas e pelo amor
que tenho por Jesus Cristo, o nosso santo salvador. Tranco a porta de casa com
a chave, enfio ela no bolso da calça e dou inicio a minha caminhada.
O céu de cor escura e
estrelada é acompanhado por uma lua cheia gigantesca, tão grande que até dá
para tocá-la com a ponta dos dedos, mas eu não quero. Ao meu redor poucas
casas, árvores, e silêncio. Estou nessa jornada sozinho, só eu e Deus; em minha
humilde opinião, melhor companheiro não há.
O dia amanhece. O sol
aparece e eu resolvo sentar-me. Sem alternativas escolho o chão, forrado de
capim seco. De dentro da mochila eu tiro pão e água, como lenta e
vagarosamente, saboreando cada pedaço, cada gole, cada momento. Vejo carros
passando apressados do meu lado, mas não enxergo o tempo passar.
Prossigo minha jornada
que será longa, mas que terá uma justa recompensa em sua chegada. No trajeto
muitos param e ofertam-me carona, eu agradeço, mas recuso, pois promessa feita
deve ser cumprida.
Quase um dia inteiro de
caminhada e o cansaço começa a tomar conta. Suor escorre do meu corpo e
lágrimas descem dos meus olhos, eu venci. A igreja está lá, imponente diante de
mim.
Coloco-me de joelhos
sobre o asfalto fervente. Cruzo os dedos numa prece e dou glórias aos céus e
agradeço Jesus e a Nossa Senhora por ter me dado saúde para atingir o objetivo
dessa jornada. Agradeço a Deus por ter salvado minha mulher e meu filho.
Foram meses de
sofrimento. Minha esposa teve diversas complicações durante a gestação. Meu
filho nasceu prematuro, com apenas seis meses de gravidez. Ela quase faleceu,
meu pequeno também, mas prometi a Deus e a Nossa Senhora se os salvasse eu iria
a pé para a igreja e esse seria o meu agradecimento.
Pacientemente esperei.
Com amor e devoção rezei e pedi com todas as minhas forças um milagre. Foram
dias difíceis. Dias em que eu pensei em desistir, principalmente quando os
médicos diziam-me que já não havia mais esperança. Noites em claro em que eu
trocava meu sono só para ficar ao lado dos grandes amores da minha vida, minha
mulher e meu filho.
Não desisti, insisti e
venci. Estava sentado na sala de espera do hospital, o rosto cansado e o olhar
triste; o coração batendo num esforço incomum, ele pedia para parar. Foi quando
uma enfermeira veio em minha direção e com lágrimas nos olhos me falou:
- Venha, o doutor
deseja lhe ver.
Sem entender nada eu
fui. O lugar onde eles estavam era há poucos metros dali, mas para mim parecia
ser uma distância incalculável. O médico de cabelos brancos e jaleco da mesma
cor me aguardava de costas para mim. Ao virar-se para olhar-me vi um brilho em
seus olhos, em seguida um sorriso grande, largo e bonito. Foi então que ele me
disse:
- Um milagre aconteceu!
Sua esposa e seu menino despertaram. Não terão nenhum tipo de sequela, e amanhã
mesmo você poderá leva-los para a casa.
Desabei. Ajoelhei-me no
chão cercado pelo médico e mais três enfermeiras. De longe vi meu filho ainda
na incubadora, de olhinhos abertos e com cara de sono. Também vi minha amada
esposa, de cabelos cacheados e aspecto cansado; se não tinha sido fácil para
mim imagina como foi para ela ter suportado tamanha penitência.
E então estou aqui.
Diante da imagem de Nossa Senhora, de joelhos. Pagando aquilo que prometi.
Nesse instante minha esposa troca meu filho, ele já tem quatro anos e hoje é
seu primeiro dia de aula. Obrigado Senhor. Obrigado Deus. Obrigado Nossa
Senhora. Minha vida e a minha família agora é toda sua.
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