Em um domingo, há vinte
e três anos eu começava meu ritual. Era dia de corrida da Fórmula 1 e como de
costume eu também iria correr, claro na minha imaginação de menino. Sentado no
tapete da sala eu montava meu carro, uma almofada servia como encosto das
costas, outros três travesseiros eram as laterais e o bico do automóvel, o
volante era de ferro, sim, um volante de um carro de brinquedo, o capacete era
uma sacola de mercado com furos feitos com os dedos, que eu amarrava na cabeça,
aliás, minha mãe não gostava do tal capacete, falava que era perigoso e tal, mas
eu era uma criança. Um menino que acordava todos os domingos bem cedo para ver
seu super-herói favorito voando nas pistas, acelerando, ultrapassando, vencendo
e deixando o meu domingo mais feliz.
Aquele final de semana
de Fórmula 1 não era um fim de semana qualquer, era diferente. Na sexta o então
jovem piloto Rubens Barrichello sofria um grave acidente, no sábado foi à vez
de um piloto morrer após forte batida. O clima de tensão entre os pilotos era nítido,
seria difícil alguém sair vivo dali.
A corrida estava para
começar. Atrás do carro com um olhar e pensamento distante lá estava ele. Devo
confessar que aquela foi a primeira vez que o vi assim tão sério tão distante
de tudo e de todos, Ayrton Senna parecia pressentir que algo ruim fosse
acontecer, não sei, às vezes eu penso que nós todos temos uma espécie de sexto
sentido, e assim foi.
A largada foi dada e
como de costume ele era o primeiro, as voltas iam ocorrendo uma após a outra. Uma
câmera colocada dentro do carro mostrava tudo, velocidade alta, pé pisando no
acelerador, depois um corte na câmera e a volta da imagem mostrando o carro girando
e parando fora da pista. Meu herói mexeu a cabeça um pouco e parou. Os braços
não mexiam. O gesto de retirar o volante e sair do carro não foi feito. Os
socorristas chegaram e se posicionaram bem em cima dele.
Minutos depois eu o vi
sendo transportado em uma maca para dentro de um helicóptero, meu herói estava
sendo levado ao hospital. Para mim era só um ferimento, assim como o meu
super-herói favorito nos quadrinhos se curava, por que o meu de carne e osso
não faria o mesmo?
Mas a notícia ruim
tinha que vir. Ele morreu!!! Porra!!! Super- heróis não morrem, eles são
imortais, no entanto o meu ídolo era um ser humano de carne e osso e eu aprendi
naquele ano, que pessoas de carne e osso morrem e deixam uma saudade danada
dentro da gente.
Podem passar os anos e
eu não vou esquecer-me daqueles dias, do meu ritual dominical de montar o carro
de travesseiros, de colocar meu capacete feito com uma sacola de mercado, de ouvir
as broncas da minha mãe por causa do tal capacete improvisado. De sair pulando,
comemorando igual ao grande campeão, mas principalmente de ter chorado por
causa dele, mas não por culpa dele, pois ele era bom demais para errar e acabar
morrendo.
Daquele dia em diante o
meu interesse por aquilo foi desaparecendo. Nesse domingo no trabalho eu ouço a
corrida pelo rádio, mas o meu interesse não é como antigamente. Naquele
domingo, 1 de maio eu aprendi que heróis e pessoas são eternas no coração da
gente, mas elas morrem e não voltam nunca mais, para a tristeza de todos.
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