Tereza saiu de casa
abandonando tudo. Deixando para trás a vida triste e sem perspectivas que
tinha. Juntou o pouco que lhe pertencia, roupas, um pente velho e um livro. A
faca que usara para matar o pai foi colocada numa espécie de estojo e o mesmo
foi colocado dentro da mala com os demais pertences.
Passou pela cozinha e
deu uma última olhada para o pai. Nestor estava deitado, morto, com as mãos
cheias de sangue e o olhar vidrado, Tereza teve a impressão de que o cadáver do
pai olhava para ela, mas na verdade, Nestor não olhava para nada.
Fechou a porta atrás de
si e cerrou os olhos. Por um milésimo de segundos as imagens de Nestor em cima
dela vieram à tona. Ele a penetrava freneticamente, num vai e vem tresloucado,
Tereza tentava se desvencilhar, dando socos, mas era em vão, ela não tinha
forças, estava exausta, morta.
Tornou a abrir os olhos
e andou. Ao redor dela casas; tão humildes quanto a que ela vivia, feitas de
tijolo e barro, sem acabamento, os telhados eram de palha e o chão de terra
batida. Ao redor árvores enfeitando as ruas, no alto um céu de estrelas
carrancudas, no chão um silêncio de dar medo, terror que ela sentia explodindo
no peito.
Adeus vida de
pesadelos. Nunca mais se deixaria ser tocada por outro homem sem sua permissão,
talvez ela não quisesse que outro a tocasse.
Não demorou muito para
ter a vida transformada. Foi para a cidade grande e lá começou a trabalhar em
uma lanchonete. Ali ela servia as refeições, tinha arroz, feijão, carne assada,
salada e até sobremesa; tudo muito simples, mas feito com amor e carinho pelas
cozinheiras.
Todos os dias um rapaz
de cabelos negros, olhos verdes e bem vestido ia a lanchonete almoçar. Sentado
a mesa ele pedia arroz, carne e salada. Tereza lhe servia, sempre sorrindo, o
rapaz sempre sorria de volta. Certo dia o homem, após terminar a refeição
limpou a boca com um guardanapo, fez um sinal com as mãos pedindo que Tereza se
aproximasse. Tereza caminhou enquanto tirava do bolso do avental sujo de
gordura um bloquinho de anotações onde anotaria um possível pedido.
- O senhor deseja mais
alguma coisa? Sobremesa? – Perguntou Tereza, a voz firme, porém, o coração
disparado.
O homem sorriu, ajeitou
a gola da camisa, relaxou na cadeira, tirou os cotovelos repousados na mesa e
olhando diretamente nos olhos de Tereza, disparou:
- Aceita sair comigo?
A pergunta foi
suficiente para fazer Tereza girar nos calcanhares, perder o equilíbrio e quase
desabar no chão. O homem a segurou pelo braço. Tereza sentiu os dedos dele,
apertando com leveza seu pulso direito, mas desvencilhou-se. Ficou com medo. A
lembrança de Nestor abusando dela, rasgando seu vestido, e tentando beijar sua
boca.
- Você parece nervosa,
moça. Perdoe-me.
Tereza não sabia o que
fazer. No restaurante lotado todos os olhares se voltavam para a cena. Refeita,
Tereza respirou fundo. O homem, sem graça, a olhava admirado.
- Não foi nada, eu é
que não estou me sentindo bem, com licença. – Disse ela, saindo, ainda zonza.
Entrou no banheiro, foi
até a pia, abriu a torneira, deixou a água cair e jogou um pouco no rosto.
Precisava acordar recompor-se e retornar ao trabalho. Desde que foi embora de
casa não se envolveu com homem algum. Fechou seu coração e trancou seus
sentimentos bem lá no fundo, num lugar onde nem mesmo ela pudesse ter como
recupera-lo, no entanto, a presença daquele homem parecia ter mudado as coisas.
Envergonhada não voltou
mais ao trabalho. Tirou o avental e o jogou em cima da pia. Pegou a bolsa e
saiu pela rua. Lá fora um trânsito de carros, a sua volta prédios e mais
prédios; alguns comércios a cercavam. Eram bares, restaurantes, lojinhas de
ferragens e até um cinema, cuja fachada anunciava filmes que Tereza já vira
pela televisão.
Caminhou
apressadamente, no ar um cheiro de esgoto misturado com poluição, pessoas
falando alto e o maldito cheiro de cerveja que lhe trazia amargas lembranças.
Continua....
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