Acordei num salto. O
barulho foi tão forte que meus tímpanos, pobre deles, foram para o beleléu.
Também pudera. Nem o mais forte dos homens suportaria tantos decibéis. Como é
difícil dormir aqui nesta rua. Como é complicado pregar os olhos e repousar o
sono dos justos. Já não chega as bateções de martelo da oficina de funilaria do
vizinho, agora tenho de aturar o barulho das festas aos finais de semana do
morador da frente.
Pobre de mim, que sofro
de insônia e de palpitações. Que necessito de medicamentos para botar o sono em
dia. Dormir com os anjos? Isso eu não sei do que se trata. Mamãe sempre me
botava na cama, dava um beijo na minha face, cobria-me com o lençol e
finalmente dizia-me:
- Durma com os anjos,
meu bem. – Mas que raio de anjos são esses se eu nunca os vi, tampouco os senti
e muito menos os admirei a não ser nas pinturas dos quadros dependurados nas
paredes da igreja aqui do bairro.
Há, como tem sido
impossível cochilar. No trabalho todos devem notar minhas olheiras e meu olhar
de peixe morto. Estou até magro devido a isso. Abro a janela e arregaço as
cortinas para o lado, esfrego os olhos e observo a festa na casa do vizinho.
Todos ali aparentam felicidade. O clima é de total descontração. Na mesa um
bolo quadrado onde está escrito em letras grandes PARABÉNS MAMÃE.
Daí eu começo a
lembrar-me da minha. De cabelos negros e olhos cinza, de sorriso grande e
bonito e de um abraço acolhedor e afetuoso; e em meio a musica alta eu retorno
para a minha cama já desarrumada, deito, puxo o lençol e cubro meu corpo, fecho
os olhos e finalmente durmo. Descansaria com a imagem da minha saudosa mãezinha
na mente e com o barulho da festa do vizinho. Sorte deles de terem ainda uma
mãe por perto, pois a minha descansa ao lado dos anjos de que ela tanto me
falava.
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