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Mostrando postagens de 2019

Na janela.

Abro a janela do meu quarto e vejo o vizinho do outro lado da rua, na casa dele, bem à vontade, de bermuda e sem camisa; meu coração dispara. Observo aquele corpo lindo e bem feito enquanto tento organizar as ideias na cabeça. Não sei o nome dele. Só sei que é casado, que pena, e não tem filhos. O meu vizinho é moreno, cabelos curtos cortados a maquina, barba desenhada, simplesmente um espetáculo de homem. Meu nome é Aline. Eu tenho vinte e seis anos, ele deve ter a mesma idade, ou quem sabe um pouco mais. O safado vive de bermuda e sem camisa, e aos finais de semana chego a ver o sem-vergonha só de cuecas, que maravilha meu deus! Passo os dias imaginando aquele macho na minha cama, me fazendo ser uma vadia, uma puta pra ele, coisa que eu duvido que a mulher dele, aquela loira aguada e sem graça faça. Ele não trabalha, só cuida da casa, o porquê, eu não sei. A esposa dele sai cedinho antes de sair o sol, de bolsa pendurada no ombro e vestida num uniforme horroroso. Um terninho

Assim morreu meu pai./ Meu neto goleiro.

CREDITO: bloglikeaman.com Vi meu pai morrer quando eu tinha apenas sete anos de idade e ele pouco mais de quarenta. Estava na rua de casa, brincando com outras crianças, algumas da minha idade, tantas mais velhas e mais novas. Jogávamos futebol. Nossa bola era feita de meia, costurada por uma das vizinhas. Eu era o goleiro. Ficava posicionado em frente ao gol feito de pedras de paralelepípedo, esperando os chutes que viriam em minha direção. Vi meu pai chegar a casa. Era a hora da pausa para o almoço. Ele vestia terno cinza claro, chapéu da mesma cor e também usava gravata. Mamãe o aguardava em frente ao portão, de avental amarrado na cintura, manchado de molho de tomate. Um beijo no rosto e meu pai entrou. Sentou-se na ponta da mesa. Mamãe o serviu. Em seu prato havia arroz, feijão e carne ensopada; dava para ver as batatas cozidas e o chuchu nadando naquele molho suculento. Após a refeição papai foi até o quarto e lá se deitou. Todos os dias antes de retornar ao trabalho ele

Espelho: A descoberta do amor e da verdadeira amizade.

Murilo viu sua imagem refletida no espelho e se assustou. Sem a camiseta e vestindo apenas a calça do uniforme da escola percebeu uma espinha próxima do nariz, ela era horrível. Seu coração disparou só de pensar nas piadas que ouviria caso os outros garotos do colégio vissem seu rosto naquele estado. Apavorado tateou na gaveta algum creme, pomada, enfim, qualquer coisa que servisse para tirar aquilo da cara, mas não tinha. Na gaveta apenas uma escova de cabelo suja, uma caixa com grampos e um vidro cheio de cotonetes. Nos armários nada além de pasta e escovas de dente, sabonetes e desodorantes; abaixou-se para olhar na parte de baixo, mas ali só encontrou toalhas; estava frito caso não resolvesse o problema. Olhou-se no espelho mais uma vez e mais e mais. E a cada olhada parecia que a espinha aumentava de tamanho e mudava de forma; um alienígena parecia querer nascer, e isso deixou Murilo aterrorizado, não havia outra maneira senão usar da maneira casual, os dedos. Com as mãos trêm

Eu amo a minha filha

CRÉDITO: es.123rf.com - Venha pai, o sol está se pondo! - Disse minha filha aos berros, enquanto eu caminhava com certa dificuldade em sua direção. Ali está ela, os cabelos balançando contra o vento e os últimos raios de sol batendo em seu rosto. Minha filha era tudo pra mim, minha companheira, confidente, conselheira, melhor amiga; até parece que tínhamos a mesma idade, no entanto, a diferença era grande, afinal éramos pai e filha. Minha menina nasceu prematura, numa gestação que duraram sete meses, infelizmente a mãe, o grande amor da minha vida, morreu durante o parto. Os primeiros meses foram complicados. Tive que abandonar meu emprego só para me dedicar única e exclusivamente para a minha filha. E não me arrependo. Até parece que tudo aquilo aconteceu de propósito, coisas do destino. Lembro-me do dia em que ela segurou pela primeira vez a minha mão. Ela estava dentro da incubadora lutando pela própria vida, o corpinho frágil cheio de fios, a respiração fraca, mas a mãozinh

Marina

CRÉDITO: ciberia.com.br Sua saúde estava frágil havia muito tempo. Deitada em sua cama, Marina esperava pelo provável, a morte. Trancada consigo mesma ela pôde lembrar-se de sua juventude, dos dias de mocidade e de sua paixão pela dança. Como eram bons aqueles momentos, em que ela desfilava toda sua audácia como dançarina e era disputada pelos homens, todos sem exceção gostariam de ter com ela. Marina, que em sua mocidade tinha os cabelos loiros e agora na velhice, enferma, sustentava um resquício de cabelo, um sorriso sem graça e um corpo magro, parecendo uma caveira. Pobre Marina. Pobre dela. Viveu, porém, não foi feliz. Amou, mas nunca foi amada. Teve homens a seus pés, mas por puro interesse. Ninguém a amou como ela gostaria, Marina só foi usada. Com o passar dos anos ela só acumulou dentro de si, mágoas e rancores. E toda essa tristeza acumulada transformou-se em doença. Depois disso, Marina morreu para o mundo, mas não fisicamente. Quando tinha vontade de viver, ficava a vaga

Canção de ninar

CRÉDITO: medium.com Levantei bem cedo e vi o sol nascer bem lá no finalzinho do horizonte pelas frestas da janela. Fazia um calor tremendo e eu acordei suando mais do que tampa de marmita, não tinha jeito; era levantar e ir direto para o banho. Peguei roupas limpas, a toalha e um sabonete, o meu sabonete; na nossa casa cada um tinha seu item de higiene, tudo por causa de doença, mamãe morria de medo das tais das bactérias que ela um dia ouviu uma voz grande falar de dentro do rádio. Não tinha chuveiro, o banho seria num enorme tonel de madeira, o negócio era enorme mesmo, cabia eu e mais duas ou três pessoas dependendo do tamanho. E ali eu me banhava, relaxei na água e quase adormeci, só não o fiz porque mãezinha aos berros me chamou e pelo susto que tomei quase fiz toda água se esvair pelo chão de terra do quintal. De machado na mão minha mãe estendeu a ferramenta para mim e também uma xícara de café que tomei num só gole. Lá em casa cada filho era responsável por uma tarefa,

Maldita tempestade

sonhosesimpatias.com Choveu tanto, mas tanto, que a roupa amanheceu molhada no varal. Tinha sido uma tempestade nunca antes vista; com vendavais capazes de arrastar pequenas cadeiras de quintais, e derrubar grandes árvores. O chão de terra batida havia se transformado em lama, tudo estava sujo. Geladeiras, mesmo colocadas no alto estavam cheias d’água, água suja que não podia ser reaproveitada. A enchente assustou a todos. Sempre chovia nessa época na cidade, mas com essas proporções era a primeira vez. As ruas estavam impregnadas de lodo, pessoas corriam tentando salvar o que fosse possível. Tinha gente carregando fogões, geladeiras, roupas; tinha gente carregando gente e gente empenhando-se para sobreviver em meio a tanto caos. Como eram tristes e desoladores estes cenários. Onde só se enxergava destruição e não se vê nem um pingo de esperança. Mangueiras eram esticadas e torneiras foram abertas. Jatos de água limpa, porém, fraca, eram jogados nas calçadas. Moradores esfregav

Violação

- Eu te odeio! Eu te odeio. – Os gritos de Ana Clara eram carregados de dor. Uma angústia que ela nunca havia experimentado antes. Um sentimento ruim que corroía tudo por dentro igual ácido sulfúrico. Ana Clara estava trancada em seu quarto de criança, sentada no chão enquanto apertava contra o peito seu enorme cachorro de pelúcia; o brinquedo fora um presente do pai, e aquilo tinha sido a única boa lembrança que ela possuía dele antes de ele ter se transformado em um monstro, assustador e cruel. Eram anos de desespero. De noites mal dormidas, de pesadelos constantes e de arrepios sem fim na espinha. Ana Clara estava cansada, debilitada física e mentalmente. Ela nunca se acostumou com o pai que a botava na cama, lhe cobria, dava um beijo de boa noite e antes de fechar a porta do quarto dizia baixinho: - Papai já volta. – Como Ana Clara odiava ouvir aquilo. Por vezes ela pensou em se jogar pela janela, mas ela não queria sair como a derrotada da história. Suportaria tudo sozinha

Ausência

Em um bar uma conversa se inicia. Dois homens, um de mais idade e outro mais jovem. - O que você fez quando soube da morte de seu pai? – Perguntou o homem do outro lado da mesa. - Não fiz nada, por quê? – Respondeu o jovem vestido elegantemente um terno preto e de chapéu na cabeça. - Mas como não, ele era teu pai?! - Sim, mas nunca se importou comigo. O homem mais velho respirou fundo. - Mas ele sempre lhe deu tudo, não entendo?! O jovem colocou a mão no bolso enquanto respondia. - Sim. Quando criança me encheu de brinquedos, na adolescência pagou meus estudos... - E agora na fase adulta ele deu a vida por você. – Concluiu o homem. Um sorriso se abriu no rosto do jovem. - No entanto tem o principal. - Principal? - Amor. Você sabe o que é isso? A voz do homem era bastante insegura. - Amor... Bem, amor é quando um homem gosta de uma mulher, ou vice e versa. É isso? O jovem riu contido. - É, pode ser. Mas o amor não se restringe a isso apenas. O amor

Devoradores de corpos

Senti o cheiro amargo e azedo da carniça e vi no céu uma revoada de pássaros negros, eram urubus. A poucos quilômetros de onde estava, uma criança de vestido comprido, e com um grande ferimento na cabeça achava-se morta na beirada de um riacho cercado por belas árvores e pedras grandes. Lá também havia uma enorme cachoeira onde as águas desciam as rochas como um véu de noiva. Era impossível saber como aquele corpo apareceu ali; se por causa da correnteza ou trazido pelos braços de algum mal feitor. Naquele lugar o silêncio só era interrompido pelo barulho dos pássaros e pelo vai e vem de águas revoltadas e também pelos urubus que sobrevoavam durante o dia a procura de alimento. Há abutres malditos, que esperam calmamente por suas presas, e que comem suas entranhas e seus olhos deixando apenas os ossos. São devoradores de corpos. Costumeiramente se alimentam com restos de outros animais, entretanto, desta feita, a refeição seria uma criança. Pousaram sobre ela e em uníssono solt

A igreja do Padre Bento (Um triste relato sobre a pedofilia)

Crédito: diariodepernambuco.com.br Ouço os sinos de a igreja bater e os pelos do meu corpo se arrepiarem. Como eu odeio passar na frente desse lugar e lembrar as coisas terríveis acontecidas comigo. Não sou um jovem. Sou um homem com certa experiência, com mulher e dois filhos, mas existem certas coisas que precisam ficar guardadas com a gente. Nasci no interior da cidade, em um município de um pouco mais de seis mil habitantes. Um lugar escondido do resto do planeta, onde luz elétrica e água encanada eram artigos de luxo e privilégio de uma dezena de notáveis, resumindo, os ricos. Cresci dentro de uma família pobre. Meu pai era pedreiro e minha mãe ficava cuidando da casa e dos sete filhos, três homens e quatro mulheres; eu fui o quarto a nascer. Na vila havia uma igreja, pequena e de aspecto estranho. Desde o começo eu não gostava muito de ir até lá, mas era inevitável. Aos domingos minha mãe vestia a gente com a melhor roupa disponível; a minha era uma calça de algodão e u

Adeus, mamãe

Crédito: mensagenscomamor.com Meti meus dedos em seus cabelos, tão poucos e fracos, e segurei em sua mão; tão frágil e quase sem vida, você estava indo. De camisola, deitada na cama me olhou, com seus olhos fraquinhos que forçavam apenas para ver os rostos magros de seus familiares. Seus braços outrora fortes capinavam o mato que crescia teimoso em volta da cerca, e suas pernas faziam você correr atrás da gente e das galinhas, essas que eram servidas em uma panela grande com batatas cortadas e cenouras em rodelas finas. Mas você estava ali, prostrada, esperando pelo fim. Na cabeceira da cama um retrato da família; papai e mamãe. Você de vestido e ele de calças compridas e uma camisa xadrez, com uma gravata pendurada no pescoço; e nós seus filhos, de calças curtas e descalços, com os pés pisando na terra e com as solas sujas de tanta felicidade. Estávamos todos lá, com exceção de papai, morto numa emboscada armada por um vizinho sem coração. Mamãe sofreu demais com isso. O barul

Mesmo depois de morrer

CRÉDITO: fatosdesconhecidos.com.br Eu vi do alto daquele prédio aquela jovem se atirar. Enquanto seu corpo voava, de cabeça para baixo, rumo à morte, meu coração disparava de prazer. Há. Como é divertido ver o fim da vida de alguém chegar, ainda mais sendo do jeito que foi; com o corpo estraçalhado na calçada e com sangue salpicando nas paredes e nos carros estacionados no meio fio. Lentamente fui descendo as escadas e formulando em minha mente todo o cenário. Pessoas ao redor, com olhares de espanto e admiração; uns tirando retratos e alguns virando seus rostos pelo horror que o ocorrido se mostrava. Era uma adolescente. De cabelos loiros, olhos verdes, com semblante cansado. Estava com uma saia curta, de cor preta, e uma camiseta branca tingida de vermelho sangue. Cheguei à calçada e pedi licença. A moça estava caída de bruços, sua cabeça estava virada do avesso e seus olhos me olhavam como se pedissem misericórdia. Mas eu não tenho compaixão desse tipo de gente. Pois elas mere

Lembranças lá de casa

Credito: youtube.com   Lembra-se da gente no supermercado? Entre latas de molhos e de ervilhas, entre tomates e abobrinhas, e entre biscoitos e bolachas, pois eu não sei e pouco me interesso em saber qual é o correto a se dizer. E os discos de vinil? De artistas variados e de capas gritantes, de caveiras a rostos coloridos, tudo junto e misturado num só ritmo, num tom alucinante. E o carrinho de compras era o nosso possante, de direção firme e rodas pequenas. Montávamos nele e dávamos impulso com os pés e transformávamos os corredores em pista de corrida, a mãe ficava doida com a gente. E as pessoas nos olhavam. Poucos riam, muitos achavam um absurdo uma mãe deixar duas crianças fazendo o que quisessem, mas não era bem assim, a gente desobedecia mesmo; no entanto, depois de tanta peraltice e malcriação éramos brindados com um churro com recheio de doce de leite. E as compras eram colocadas na porta- malas, comida separada dos produtos de limpeza. E então nós íamos embora, eu no b

Recordações

Senti o cheiro de longe e isso me fez correr até ele. Era uma mistura de doce com salgado. O fogão estava forrado com panelas, todas cheias. Em uma tinha arroz com carne, na outra, feijão com bastante bacon e linguiça; tinha macarrão com molho e carne de panela. No forno um bolo assando e na geladeira um mousse de manga pronto para ser devorado. Do lado de fora vovô fabricava vassouras sentado na beirada da escada. Minha mãe e minha avó cuidavam do almoço, enquanto meu pai e meus irmãos cavavam um buraco na terra a procura de minhocas, eles iriam pescar mais tarde. Era divertido ver o beija-flor chegar e se aproximar de um bebedouro com uma flor grudada nele e ficar ali parado no ar com suas asas batendo numa velocidade descomunal. Comida quase pronta. Após desocupar uma das bocas do velho fogão azul, mamãe botou outra panela. Vovô não almoçava sem antes saborear um prato de sopa. Um a um os ingredientes foram sendo colocados: batata cortada em pequenos pedaços, cenoura em rode

O dia que eu contei para os meus pais

Existem coisas que ficam martelando na cabeça da gente de um jeito chato pra caramba. Trabalho em uma empresa de grande porte; sou bem pago, muito bem sucedido e sou casado, sim, casei-me faz muitos anos, com outro cara, exato, sou gay e daí? A sociedade ou parte dela não nos aceita. Para muitos não passamos de abortos da natureza, ou conforme uns   adoram dizer, aberrações. Mas eu tô pouco ligando, ando de cabeça erguida e de mãos dadas com o homem que eu amo e escolhi para viver comigo até os últimos dias da minha vida. É estranho sentir-se estranho, é bizarro sentir-se diferente. E tem mais, é inexplicável se olhar no espelho e não querer admitir algo tão nítido para muitos, se é que estão me entendendo. Como eu contei para os meus pais? Na verdade eu não contei; não em principio. Primeiro procurei uma amiga. Pelo telefone inventei uma história qualquer e marcamos de nos encontrar. Estava uma tarde ensolarada e escolhemos um parque no centro da cidade. Esperei-a sentado num da